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Instinto Selvagem – Sexo e Poder

Reflexões sobre o filme Instinto Selvagem de Paul Verhoeven

Por Leandro Azeredo de Brito*

Em 1992 foi lançado o Filme Instinto Selvagem, que marcou época e apesar de quase 30 anos passados, até hoje provoca o espectador com sua trama que não oferece resolução, mas se estrutura numa estética onde várias possibilidades se oferecem.

Na produção, dirigida por Paul Verhoeven, o detetive Nick (Michel
Douglas) investiga a escritora Catherine Tramell (Sharon Stone), acusada do assassinato de seu namorado Johnny Boz. Nick, no entanto, vai ficando cada vez mais envolvido pela investigada, e o enredo fica ainda mais intrigante quando a ex-namorada de Nick, uma psiquiatra forense, percebe que o assassinato de Jonhny Boz tem o formato idêntico a uma cena de um livro da própria escritora suspeita.

Do que se trata Instinto Selvagem? Há muito tempo o corpo feminino
é tabu, e talvez por extensão, o lugar do feminino como um todo seja também alvo de receio. O fato é que estamos tomando consciência disso agora, mas em nossa cultura, construímos um sintoma enorme que hoje pode ser chamado misoginia. Colocamos no lugar de um objeto que seria fonte de disruptura, de erro e de pecado, a mulher e não o homem, fazendo uma divisão sexual do valor, que resultou tanto em narrativas como Adão e Eva quanto em caçadas às bruxas. Mas por que fizemos isso?

Pela ótica da psicanálise, isso tem origem numa lógica fálica, que
ordena as nossas relações a partir de uma mínima diferença entre corpos masculinos e femininos, uma lógica que diz: eu tenho, você não tem, logo eu tenho poder, você não, escondendo que por trás de uma aparente diferença, somos igualmente seres sexuados.

A questão é que o órgão sexual feminino está oculto, sua
sensoriedade é muito mais misteriosa e temos medo daquilo que é enigmático. Já o masculino está explícito. Um pênis ereto é visível. O orgasmo masculino é evidente. Como a materialidade do corpo masculino é explícita, no inconsciente e através do discurso que atravessa o tempo, ele é sentido como aquilo que afirma, como verdade que se mostra e que se revela. Já o feminino, enigmático, é atravessado historicamente por um medo arraigado em nossos inconscientes, um pavor de que a mulher teria algo de perigoso, de traidor, de ardiloso e teatral, já que não temos acesso total a ela. Os olhos de Capitu seriam então, os olhos de todas as mulheres, olhos de ressaca, olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

Apesar dos ideais de igualdade da Revolução Francesa, a mulher tem
seus direitos revogados, sendo confinada em uma natureza feminina, uma
imagem como naturalmente sensual e desmedida, ao mesmo tempo sensível e amorosa, destinada ao casamento e a maternidade, funções que só aceitará exercer se for domesticada.

E a sexualidade da mulher? Como funciona? Ela goza? Gozou ou
fingiu que gozou? E a gravidez? Será que o filho é meu? O fato da parte genital da mulher ser intrincada, de não ser visível como o órgão masculino, vai ser gatilho para nossos fantasmas. Não é visível, não é controlável, isso é gerador de angústia. Como é possível dominar?

O curioso é que esse fato, na verdade, torna o feminino realmente
muito mais indomável e extremamente poderoso. O que temos feito então? Usamos a força para aplacar a angústia. Isso fica claro na mais famosa cena do filme, onde Catherine será interrogada por cinco homens, mas dispensa um advogado. “Não tenho nada a esconder”, diz a escritora. Será? Ela acende um cigarro, símbolo fálico, e é advertida de que não poderia fumar ali, mas desobedece e devolve, confiante e forte: “O que vai fazer? Vai me acusar de fumar?”.

Catherine ocupa todos os lugares de poder, o masculino, explícito e
representado na imagem do cigarro, e o feminino: “eu gostava de transar com ele (ex-namorado), porque ele não tinha medo de experimentar”.

Catherine não é pega no detector de mentira, o que alimenta a angústia masculina frente ao poder feminino, angústia que se manifesta de várias formas na cena: “Você o amarrava?” – pergunta o policial sobre o ex-namorado assassinado.

Conforme o interrogatório segue, Catherine mexe no cabelo, tira o
casaco e começa ela a fazer perguntas, invertendo o jogo.

“Já transou com alguém depois de casado, Nick?” “Como sabia que ele era casado?” Pergunta o policial. “Talvez eu esteja supondo”, e deixa os homens da sala totalmente presos em um labirinto emocional quando, na famosa cena da cruzada de pernas, deixa por um segundo apenas, transparecer que está sem calcinha.

O feminino é enigmático, seu corpo e seu lugar. Deixa-se penetrar
sem medo, mas justamente por isso provoca ansiedade e pavor no homem. Então demonizamos e depreciamos o lugar da mulher na tentativa de controlar a própria angústia, porque no fundo, sabemos que o privilégio e o poder do homem, vindo do falo, não se sustenta sem esforço e sem violência, já que a mulher, por ser mistério, consegue ocupar todos os lugares de poder, o lugar fálico e o lugar de enigma, daquilo que está oculto.


Será Catherine a culpada?

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Sobre o autor do artigo:

Leandro Azeredo de Brito é psicólogo e pós-graduado em psicanálise pelo Núcleo de Pesquisas Psicanalíticas (NPP). Natural de Mirassol, se interessa por filosofia, música, literatura e ciências em geral. Atende profissionalmente em clínica localizada em São José do Rio Preto. Contato (17) 98801-1905.