Reflexões sobre o filme Instinto Selvagem de Paul Verhoeven
Por Leandro Azeredo de Brito*
Em 1992 foi lançado o Filme Instinto Selvagem, que marcou época e apesar de quase 30 anos passados, até hoje provoca o espectador com sua trama que não oferece resolução, mas se estrutura numa estética onde várias possibilidades se oferecem.
Na produção, dirigida por Paul Verhoeven, o detetive Nick (Michel Douglas) investiga a escritora Catherine Tramell (Sharon Stone), acusada do assassinato de seu namorado Johnny Boz. Nick, no entanto, vai ficando cada vez mais envolvido pela investigada, e o enredo fica ainda mais intrigante quando a ex-namorada de Nick, uma psiquiatra forense, percebe que o assassinato de Jonhny Boz tem o formato idêntico a uma cena de um livro da própria escritora suspeita.
Do que se trata Instinto Selvagem? Há muito tempo o corpo feminino é tabu, e talvez por extensão, o lugar do feminino como um todo seja também alvo de receio. O fato é que estamos tomando consciência disso agora, mas em nossa cultura, construímos um sintoma enorme que hoje pode ser chamado misoginia. Colocamos no lugar de um objeto que seria fonte de disruptura, de erro e de pecado, a mulher e não o homem, fazendo uma divisão sexual do valor, que resultou tanto em narrativas como Adão e Eva quanto em caçadas às bruxas. Mas por que fizemos isso?
Pela ótica da psicanálise, isso tem origem numa lógica fálica, que ordena as nossas relações a partir de uma mínima diferença entre corpos masculinos e femininos, uma lógica que diz: eu tenho, você não tem, logo eu tenho poder, você não, escondendo que por trás de uma aparente diferença, somos igualmente seres sexuados.
A questão é que o órgão sexual feminino está oculto, sua sensoriedade é muito mais misteriosa e temos medo daquilo que é enigmático. Já o masculino está explícito. Um pênis ereto é visível. O orgasmo masculino é evidente. Como a materialidade do corpo masculino é explícita, no inconsciente e através do discurso que atravessa o tempo, ele é sentido como aquilo que afirma, como verdade que se mostra e que se revela. Já o feminino, enigmático, é atravessado historicamente por um medo arraigado em nossos inconscientes, um pavor de que a mulher teria algo de perigoso, de traidor, de ardiloso e teatral, já que não temos acesso total a ela. Os olhos de Capitu seriam então, os olhos de todas as mulheres, olhos de ressaca, olhos de cigana oblíqua e dissimulada.
Apesar dos ideais de igualdade da Revolução Francesa, a mulher tem seus direitos revogados, sendo confinada em uma natureza feminina, uma imagem como naturalmente sensual e desmedida, ao mesmo tempo sensível e amorosa, destinada ao casamento e a maternidade, funções que só aceitará exercer se for domesticada.
E a sexualidade da mulher? Como funciona? Ela goza? Gozou ou fingiu que gozou? E a gravidez? Será que o filho é meu? O fato da parte genital da mulher ser intrincada, de não ser visível como o órgão masculino, vai ser gatilho para nossos fantasmas. Não é visível, não é controlável, isso é gerador de angústia. Como é possível dominar?
O curioso é que esse fato, na verdade, torna o feminino realmente muito mais indomável e extremamente poderoso. O que temos feito então? Usamos a força para aplacar a angústia. Isso fica claro na mais famosa cena do filme, onde Catherine será interrogada por cinco homens, mas dispensa um advogado. “Não tenho nada a esconder”, diz a escritora. Será? Ela acende um cigarro, símbolo fálico, e é advertida de que não poderia fumar ali, mas desobedece e devolve, confiante e forte: “O que vai fazer? Vai me acusar de fumar?”.
Catherine ocupa todos os lugares de poder, o masculino, explícito e representado na imagem do cigarro, e o feminino: “eu gostava de transar com ele (ex-namorado), porque ele não tinha medo de experimentar”.
Catherine não é pega no detector de mentira, o que alimenta a angústia masculina frente ao poder feminino, angústia que se manifesta de várias formas na cena: “Você o amarrava?” – pergunta o policial sobre o ex-namorado assassinado.
Conforme o interrogatório segue, Catherine mexe no cabelo, tira o casaco e começa ela a fazer perguntas, invertendo o jogo.
“Já transou com alguém depois de casado, Nick?” “Como sabia que ele era casado?” Pergunta o policial. “Talvez eu esteja supondo”, e deixa os homens da sala totalmente presos em um labirinto emocional quando, na famosa cena da cruzada de pernas, deixa por um segundo apenas, transparecer que está sem calcinha.
O feminino é enigmático, seu corpo e seu lugar. Deixa-se penetrar sem medo, mas justamente por isso provoca ansiedade e pavor no homem. Então demonizamos e depreciamos o lugar da mulher na tentativa de controlar a própria angústia, porque no fundo, sabemos que o privilégio e o poder do homem, vindo do falo, não se sustenta sem esforço e sem violência, já que a mulher, por ser mistério, consegue ocupar todos os lugares de poder, o lugar fálico e o lugar de enigma, daquilo que está oculto.
Será Catherine a culpada?
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Sobre o autor do artigo:
Leandro Azeredo de Brito é psicólogo e pós-graduado em psicanálise pelo Núcleo de Pesquisas Psicanalíticas (NPP). Natural de Mirassol, se interessa por filosofia, música, literatura e ciências em geral. Atende profissionalmente em clínica localizada em São José do Rio Preto. Contato (17) 98801-1905.
“Será que você consegue por algumas horas deixar todas as suas inseguranças de lado e se permitir sentir prazer plenamente?”, pergunta a filósofa e artista visual Carol Drudi. Em um bate-papo com a Devora, ela revela como está sendo aprender a lidar com a própria sexualidade. Também comenta sobre maternidade e relacionamentos.
Confira a seguir a nossa conversa e as imagens de seu primeiro ensaio fotográfico, inspirado no filme “The Dreamers” (Os Sonhadores), registrado pelo fotógrafo Ronaldo Zanchetta:
– Como você enxerga o corpo?
Quando eu tinha 22 anos eu comecei a estudar um assunto que por muitos é subestimado, mas que mudaria minha vida por completo. Alguém me deu um livro do Nietzsche na mão e questionou minha capacidade de compreender o filósofo. Como boa capricorniana que não pode ver um desafio como oportunidade de aprender, peguei todos os livros de filosofia que encontrei pela frente e estudei até conseguir entrar na Faculdade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Foi uma enorme surpresa quando descobri no meu primeiro dia de aula que naquela faculdade tinha um grupo de estudos sobre Nietzsche com dois professores incríveis, um que trabalha com maestria questões relacionadas ao eterno retorno e transvaloração dos valores e o outro é um dos maiores especialistas sobre niilismo no Brasil. Ambos foram meus orientadores, e através deles conheci os chamados “moralistas franceses”, nesse momento tive contato com algumas reflexões sobre o corpo e o ser, os moralistas estudavam o homem por ele mesmo, escreveu Francois de La Rochefoucauld (1): “Não são nossas virtudes, muitas vezes, mais que vícios disfarçados.”. Lendo os Ensaios de Montaigne pude ter outras reflexões acerca da auto-observação e da compreensão do corpo.
Entre todos os filósofos que estudei foi de fato Nietzsche minha maior referência. Em Zaratustra, o filósofo diz que “o corpo é a grande razão”. O autor condenava o pensamento cristão pois segundo ele, “desprezava o corpo”. Segundo o alemão, do ponto de vista biológico, nosso corpo poderia ser considerado enquanto “grande”, possuindo impulsos inconscientes e por isso suscetível às paixões. O pequeno corpo seria a relação da razão com o macro, a possibilidade que esta tem de tornar o sujeito consciente de si e do mundo, mas é considerado micro pelo filósofo pois – diferentemente da tradição – a razão aqui é vista como limitada.
Quando mudei pra concluir meu curso na cidade universitária em SP, outras questões acabaram vindo junto, pude perceber que é meio impossível passar por qualquer curso na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo sem se tornar um ser mais político do que se era antes. A faculdade exalava isso, foi aí que eu comecei a ter contato com feminismo. Podia ouvir e ver algumas reuniões de coletivos feministas no meio dos corredores, era comum os alunos se unirem por todas as pautas de esquerda pra debater e se manifestar. A USP é palco de grandes formações e manifestações, não passei imune. Como mulher tive contato com o feminismo pouco antes de me tornar mãe e acho que essa sequência de aprendizados me levou ao que tenho hoje de concepção do que é o corpo e a quem pertence, quais são as regras morais que regem meu ser; quais impulsos me dominam; foram uma série de aprendizados e conhecimentos que me levaram ao que tenho hoje como certo.
Para Simone de Beauvoir, o corpo humano é possuidor de suas esferas, a passional e a racional, assim como é para Nietzsche. Entretanto, ambas as esferas não estariam inseridas numa lógica hierárquica: ao mesmo tempo que os indivíduos estão determinados por situações (contexto) subjetivas, ainda assim existe a possibilidade de fazer escolhas, sendo a liberdade fruto da racionalidade.
Unindo filosofia e política entendo que o corpo é movido por impulsos, devo e posso experimentar o que bem entender, tomando o cuidado apenas de medir em que grau consumo o que consumo. Não há pecado em experimentar, não há condenações eternas. Apenas tentativa e erro. Mas sobretudo respeitar o próprio limite do corpo e estar disposto a tentar ultrapassar as próprias barreiras. A vida é essa, não existe outra, é nessa que devo viver tudo aquilo que estou disposta a viver e nisso implica se amar livremente.
“É um preço alto, mas será que você consegue por algumas horas deixar todas suas inseguranças de lado e se permitir sentir prazer plenamente? Porque esse é o lance, se permitir.“, afirma Carol (Foto: Ronaldo Zanchetta)
– Como é a sua relação com o seu?
Posteriormente ao curso de filosofia me tornei mãe, gestei minha filha no meu ventre e pari de forma natural, foi um parto humanizado, uma gestação consciente de cada etapa, essa experiência por si só foi bastante libertadora. Existem muitos tabus acerca da sexualidade na maternidade, mas posso dizer com segurança que é um momento de profundo conhecimento do próprio corpo. Me senti eu mesma o próprio Montaigne, fazendo diário do que comia e como meu corpo reagia, foi uma experiência que somada a amamentação em livre demanda até minha filha ter 5 anos me fizeram compreender como o meu corpo funciona e o que funciona ou não pra mim. Principalmente depois de amamentar assim, ter que ceder o corpo me fez compreender e valorizar que o meu corpo pertence somente a mim. Observando sempre, analisando as oscilações normais de humor e impulsos, compreendendo e tendo paciência com o próprio tempo. O corpo da mulher tem outras formas de se relacionar com o mundo e o universo, é um alinhamento que favorece ou desfavorece como nos sentimos, são inúmeros fatores e com eles a única coisa que podemos fazer é ter paciência e respeitar nossos processos.
Não existe uma receita, minha história diz somente a minha história, a vida das mulheres se assemelha em fatores, principalmente como somos reprimidas, mas é impossível passar uma fórmula de como se “libertar” sexualmente, acho que um bom ponto de partida é se respeitar primeiro e passar por cima de muitos conflitos internos, estar disposta a lidar com questões profundas do seu próprio ser e o mais importante, se permitir sentir prazer, porque essa é a questão, o quanto nós mulheres nos permitimos e o que estamos sujeitas a receber da sociedade por isso. É um preço alto, mas será que você consegue por algumas horas deixar todas suas inseguranças de lado e se permitir sentir prazer plenamente? Porque esse é o lance, se permitir.
– Como foi o seu processo de descoberta da sua sexualidade?
Posso dizer que está sendo. Diferente de homens que tem sua vida sexual elaborada desde muito novos, nós mulheres somos reprimidas até depois de adultas, somos sexualmente exploradas desde sempre, porém pouco sabemos sobre nosso corpo, nossa sexualidade. Não é incomum uma mulher crescer e passar a vida toda sem conhecer o próprio corpo, eu mesma passei boa parte da minha vida adulta fazendo sexo pelos motivos errados, por isso que falamos em “processo” e “descoberta”, de fato é um processo, se desvincular do que fomos ensinadas toda a vida, soltar todos os preconceitos, os próprios julgamentos, os traumas que já passamos (que só pioram muito mais esse entendimento sobre o próprio corpo). É como se redescobrir e amar cada parte de liberdade que consegue conquistar, é um processo de soltar amarras e se perceber ser autônomo e livre, é emancipador.
Meu processo começa quando eu tinha 16 anos, no meu primeiro namoro monogâmico longo, no qual perdi minha virgindade, durante todo o namoro só me relacionei com ele, mas depois de descobrir que era traída com frequência terminamos. Me mudei para SP onde conheci meu segundo namorado, outro namoro longo e monogâmico. Eu tinha 21 anos quando tive meu primeiro orgasmo, com esse segundo namorado. Achei aquilo um acontecimento, porque eu nunca tinha tido um antes, pensem comigo… só aí já são cinco anos onde eu só dei prazer e não recebi. Eu sempre servi meus namoros, não era como se faltasse sexo. Porém, orgasmo mesmo era um acontecimento pra mim e foi sendo assim até meus 29 anos.
Tive vários namoros monogâmicos longos durante minha vida, dos meus 16 anos até os 29 anos eu namorei, passei a vida namorando, tive relações bastante intensas nas quais me apaixonei profundamente, até casada fui. O sexo era legal, quase como um esporte, mas olhando hoje penso “eu não fazia ideia do que estava fazendo”. Eu precisei casar, ter uma filha, me tornar mãe antes, ceder meu corpo para a maternidade, amamentar minha filha, pra só depois de tudo isso ter acesso a minha libido. Foram 14 anos dando prazer para homem, e o dia que percebi isso acho que foi o dia que estabeleci novas regras de comportamento pra mim mesma. Chegou um determinado momento da minha vida que já munida de conhecimento suficiente acerca de quem eu era, do que eu queria e do que eu não gostava, eu quis finalmente descobrir o que eu gostava.
A partir de então eu só faria sexo de novo quando eu quisesse, não iria mais me submeter a transar com meu namorado só para satisfazer o desejo dele, percebi que isso era um desrespeito absurdo com todo o meu ser. O sexo mudou totalmente, eu descobri os sentidos de uma forma muito mais amplificada e sincera, conclui que o que eu entendia de sexo estava equivocado, moldado num consumo masculino e machista do sexo e do corpo feminino. O sexo pra ser bom mesmo tem que ser totalmente sincero e se não for pra me sentir totalmente a vontade é melhor não fazer, se eu fizer é só por que eu quero. Deixei pra trás o medo de como vão me ver, a raiva do assédio constante, os traumas que me machucavam, meus próprios julgamentos, os pecados da sociedade e tomei controle do que eu queria sentir no meu corpo e foi maravilhoso, é maravilhoso. Se o sexo não for assim, se não for leve, não for algo que te deixe a vontade então se poupe. Trabalhe seu emocional antes de tentar liberar todas suas paixões, mesmo por que as cobranças sociais são grandes, e a gente deve conseguir sustentar os próprios argumentos, então sejamos coerentes e cautelosos.
Hoje eu tenho 33 anos, estou acho eu, na melhor fase da minha vida, onde eu tenho total consciência de onde me encontro no mundo. Fiz meu primeiro ensaio fotográfico de nu artístico esse mês, usando o filme “The Dreamers” como referência, foi um momento muito interessante de vivenciar, aprender a se ver e se mostrar é um aprendizado diário que num ensaio como esse você encara e enfrenta mesmo suas barreiras. Uma foto como essa pode mudar como nós nos percebemos como pessoa, nos ver com o olhar de outro é realmente algo. Recomendo sim que mulheres posem pra um ensaio, do jeito que as fazem sentir bem, nuas ou não, acho que nós mulheres precisamos conseguir nos ver melhor, nos enxergar e amar como somos. Por isso digo que ainda estou em processo de me redescobrir, e não é somente no aspecto sexual, é como indivíduo, nós crescemos com a ajuda da formação de nossos pais, da escola e da sociedade, mas em algum momento nós precisamos nos desvincular desses valores e começar um processo de auto identificação para, como diria Nietzsche, transvalorar todos os valores que lhe foram passados (pela herança ou pela história) e determinar os que cabem na sua vida hoje. “Tornar-te quem tu és.” Nietzsche.
– Como você se define? No mínimo como bissexual.
– Qual é a sua opinião sobre como a sociedade encara a sexualidade feminina?
É uma forma bastante nociva, não se ensina educação sexual nas escolas, essa conversa ainda é bem atrasada aqui, os tabus que cercam a formação de uma moça é totalmente o oposto do ensinado aos homens. Aqui em Mirassol era comum ter festas de debutantes onde a menina que agora se tornara mulher, solteira, era apresentada para a sociedade, a festa de 15 anos. Onde o pai tem a primeira dança e a exibe perante os membros da sociedade. Todos vivemos isso, mas será que paramos para pensar nisso. Minha mãe era uma moça da alta sociedade de Mirassol, teve uma linda festa de debutante. São mensagens confusas que recebemos de todos os lados desde sempre, aqui no interior isso é bem estrutural e por isso que é tão chocante aqui ver uma foto com – pasmem – mamilos. É uma grande hipocrisia social, no meu ponto de vista, temos tantas questões urgentes e mais relevantes para serem debatidas, questões muito mais necessárias, enquanto se perde tempo com uma moral já há muito tempo já deveria estar superada. O frisson gerado pelo mamilo é maior do que o gerado pelo alto índice de feminicídio. É incoerente. Aqui no interior eu acho que essas questões são mais acentuadas, basta olhar pra Mirassol que com 110 anos de fundação somente esse ano tivemos a formação do primeiro coletivo feminista na cidade. Esse assunto aqui está em desfalque desde sempre, o que eu posso esperar de uma cidade que nunca debateu esse tema? Nada mais do que o que ela já é hoje, nociva. É nociva, mas acredito que boa informação e políticas públicas podem fazer a diferença. Que a moralidade dos costumes daqui não te façam perder o tesão na vida.
– Já sofreu algum preconceito por lidar de forma positiva com a sua sexualidade?
É engraçado pensar assim por que eu lido bem com a minha sexualidade hoje, por 14 anos estive muito mais preocupada com o prazer do meu namorado do que o meu e mesmo assim fui chamada de vagabunda tantas e tantas vezes. Hoje é uma coisa bastante superada. Ser referida de forma pejorativa deixou de me incomodar a partir do momento que me emancipei intelectualmente na faculdade de filosofia, quando paro pra pensar nisso lembro da música “Filosofia” do Noel Rosa. Eu já não me importo se a sociedade é minha inimiga. Uma questão que ainda pega é a exposição do corpo nas redes sociais, porque independentemente de como eu vejo o meu corpo, mesmo estando na minha rede muitos homens sentem isso como algum tipo de convite ao assédio. A percepção de que instagram é a vida da pessoa e que por estar exposto é algo determinado e nem sempre é isso. Parem pra pensar que as vezes a intenção é chamar atenção ou ser provocativa. A fotografia é um jeito de se perceber, principalmente quando é um ensaio profissional onde o fotógrafo traz uma proposta artística por trás. É lindo, não é um convite. É o corpo nu, despido de tudo e é só isso. Mas tenho consciência que não tenho controle sobre a percepção e o comportamento do outro, somente do meu, dito isso a postagem de uma foto de nu artístico era pra ser vista como uma foto apenas. Existem críticas reais à exploração da sexualidade do corpo feminino que feministas como eu apontam acidamente, todavia compreendo que uma mulher de burca ou despida será assediada, qualquer conteúdo pode virar pornografia na mão de qualquer pessoa, pois os impulsos sexuais são bastante subjetivos. Portanto se o ponto não é mesmo agradar o outro e sim como eu me vejo e me mostro pro mundo acho que sou coerente em dizer que me sinto livre o suficiente somente para ignorar os inúmeros assédios derivados disso e seguir meu percurso tão bem quanto me compete. Só toca meu corpo quem eu permito, não nego meu corpo nem meus impulsos, de toda natureza, avalio bem minhas paixões e impulsos, mas só chega a me tocar quem eu escolhi pra isso e fim de papo.
“… a moralidade não é outra coisa (e, portanto, não mais!) do que obediência a costumes, não importa quais sejam; mas costumes são a maneira tradicional de agir e avaliar. Em coisas nas quais nenhuma tradição manda não existe moralidade; e quanto menos a vida é determinada pela tradição, tanto menor é o círculo da moralidade. O homem livre é não moral, porque em tudo quer depender de si, não de uma tradição: em todos os estados originais da humanidade, “mau” significa o mesmo que “individual”, “livre”, “arbitrário”, “inusitado”, “inaudito”, “imprevisível”.” – Humano, demasiado humano (2).
– Sobre Carol:
Carol Drudi tem 33 anos e atua na linha de pesquisa da crítica e interpretação da filosofia nietzschiana. Nos anos de 2011 e 2012 esteve vinculada como estudante na Universidade Federal de Pelotas, participando como colaboradora do Grupo de estudos Nietzsche da UFPel, sendo editora do Blog do Grupo de Estudos Nietzsche da UFPel, no ano de 2012 como bolsista pela PROBEC pelo projeto do Blog do Grupo de Estudos Nietzsche da UFPel, recebendo orientação nesse mesmo projeto do Prof. Dr. Clademir Araldi. Participou da pesquisa “Nietzsche e os moralistas franceses” orientada pelo Prof. Dr. Luis Rubira. Ingressou no ano de 2013 na Universidade de São Paulo, no curso de filosofia, dando continuidade em sua pesquisa acerca de Nietzsche enquanto membro do GEN – Grupo de Estudos Nietzsche. Tem interesse nas áreas de crítica da moral, estética (Romantismo e a crítica do Romantismo) e na relação Nietzsche e La Rochefoucauld. Além da faculdade de Filosofia cursou Artes Visuais na Belas Artes em São Paulo, é professora de artes para crianças há mais de 10 anos. Hoje atua como promotora cultural através do Coletivo D.I.A. (Diversidade, Interior e Arte) e ativista social com o Coletivo Feminista Casa de Marias na cidade de Mirassol.
1 – Referência Grupo de Estudos Nietzsche UFPel: La Rochefoulcauld e a influência em Nietzsche (grupodeestudosnietzsche-ufpel.blogspot.com)
2 – Referência Grupo de Estudos Nietzsche UFPel: Prefácio, Aforismos 9 e 14 – Livro I. (grupodeestudosnietzsche-ufpel.blogspot.com)
3 – SEUS, Beatrís da Silva. Simone de Beauvoir e a libertação da mulher: do existencialismo sartriano à moral da ambiguidade. Editora Phi: Porto Alegre, 2019.
Mesmo em constantes conquistas de independência financeira, igualdade de gênero e outros, falar sobre sexo ainda é desconfortável para muitas mulheres e um verdadeiro tabu. Seja pela máxima “o que vão pensar de mim?” ou mesmo por ter vontades sexuais que são reprimidas.
Algumas dúvidas podem surgir e arruinar os momentos de prazer pela falta de informação. Por isso, o médico Élvio Floresti Junior responde as principais dúvidas das mulheres em relação ao sexo.
Por que não consigo chegar ao orgasmo?
Existem diversos fatores que explicam o motivo de muitas mulheres não sentirem o prazer do orgasmo. Um deles é no ciclo menstrual, nos dias da TPM e na ovulação por causa da tensão que a fase causa. Tente chegar lá entre a semana da menstruação e a semana seguinte, nesse período os hormônios estarão em alta.
O psicológico da mulher também conta muito para ter o orgasmo, pois esse momento é movido pela mente e corpo atinge a excitação máxima. Se existir algum tipo de medo, insegurança, falta de vontade ou baixa autoestima será empecilho para chegar ao orgasmo.
Além disso, se a mulher toma remédios controlados, como antidepressivos, eles podem afetar a libido.
Por que tenho pouca lubrificação?
Muitos acreditam que é falta de desejo sexual, mas não é bem assim. A lubrificação acontece por meio das preliminares que é todo o envolvimento antes da atividade sexual efetiva e o corpo passa por preparações para o sexo.
A dopamina que é produzida na relação faz com que o coração bata mais forte e o sangue corra mais rápido nas veias que gera acúmulo de sangue nos órgãos genitais liberando a lubrificação na vagina. Ou seja, se não tiver as preliminares não haverá lubrificação necessária. Por isso, é tão importante e necessária.
Não tenho vontade de fazer sexo. Como posso reacender a chama?
A falta de apetite sexual é um dos maiores tabus. Muitas mulheres fazem sexo por obrigação, sem vontade, e isso pode causar ainda mais repúdio ao ato. Existem algumas hipóteses como o medo, traumas, insegurança, doenças como depressão. Então, deve-se fazer a autoanálise para saber o que leva a perda da libido e usar de artifícios para que possa reacender a chama.
Entretanto, existem fatores hormonais que podem causar isso. Os anticoncepcionais podem ser responsável pela falta de libido, porque o estrogênio combinado com a progesterona que são componentes na maioria das pílulas, injeções, adesivos e anéis intravaginais, inibem a produção hormonal ovariana, e com isso a produção dos hormônios androgênios (masculinos) fica mais baixo, diminuindo a libido.
Outro caso é quando a mulher tem filho e está no período da amamentação o corpo produz a prolactina, o hormônio que é responsável pela produção de leite diminuindo o apetite sexual.
O fator emocional ainda é o mais importante, ou seja, o bom relacionamento do casal, tranquilidade, sedução, namoros com muitas preliminares, deixar um pouco o lado maternal e assumir o da amante, enfim são vários fatores importantes para aumentar a libido.
E o famoso ponto G? Onde ele está?
O ponto G não é um órgão aparente e sempre surge a dúvida sobre a real existência. Pois bem, a princípio ele fica na parte superior da vagina, próximo a entrada e quando o corpo da mulher recebe estímulos e se excita o ponto G incha e recebe os estímulos. Mas não vale se prender a ele. Existem outros lugares a serem explorados que também dão prazer a mulher, como o clitóris. O que vale realmente é a mulher se sentir à vontade na relação sexual.
Sobre o especialista
Élvio Floresti Junior é ginecologista e obstetra formado pela Escola Paulista de Medicina desde 1984. Possui título de especialista em ginecologia e obstetrícia pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e título de especialista em colposcopia. Além disso é especializado em histerectomia vaginal sem prolapso uterino sem necessidade de corte abdominal e está atualizado com as últimas técnicas cirúrgicas como sling vaginal Realiza pré-natal especializado e atua em gestações de alto risco.
Reflexões a Partir de Fragmentos do filme De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick
Por Leandro Azeredo de Brito
“A serpente então alegou à mulher: “Com toda a certeza não morrereis! Ora, Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e vós, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal!” Quando a mulher observou que a árvore realmente parecia agradável ao paladar, muito atraente aos olhos e, além de tudo, desejável para dela se obter sagacidade, tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que estava em sua companhia, e ele igualmente comeu.…” Gênesis 3:4-6
Reprodução do filme “De Olhos Bem Fechados”, de Stanley Kubrick
Há quem prefira transar de luzes apagadas. Se perguntados sobre o motivo, geralmente vão falar de vergonha, de timidez ou de insegurança com o próprio corpo. Mas se há uma verdade nisso, há também o outro lado da questão, um território mais desconhecido e misterioso. No escuro, de olhos bem fechados, o pensamento pode correr mais livre, ao sabor da imaginação e guiado pelas fantasias sexuais.
Quando se pensa em sexualidade, é inevitável pensar em corpos, em química e em forças biológicas. Sexualidade tem mesmo tudo a ver com o corpo, isso é mais que evidente. No sexo o corpo está em jogo, mas não somente ele. Isso porque o corpo humano, diferente dos outros corpos animais, é atravessado não só pela força química, biológica e corporal, mas também (e principalmente) pela palavra, pela cultura, pelo pensamento e pela imagem, num universo carregado de representação. Podemos pensar então que sexualidade tem tudo a ver com fantasia.
Desejo em Cena: o Espelho e o Curativo
No filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, a questão do desejo é colocada em cena. O casal Bill e Alice, vão a uma festa na qual ela dança com um homem desconhecido, enquanto Bill, no mesmo ambiente, flerta com duas modelos. Na volta para o apartamento uma cena carregada de simbolismo vai introduzir um diálogo também emblemático, que é um dos pontos principais do filme. Alice se olha diante do espelho do armário do banheiro. Abrindo-o, escolhe entre os diversos frascos lá guardados, uma lata de band-aid, mas no lugar dos curativos, curiosamente havia na pequena lata um pouco de maconha. Toda narrativa até então nos leva a uma ideia de perfeição, um casal vivendo uma vida perfeita, mas atrás do espelho, a maconha no lugar do curativo indica uma ferida. É como se Bill e Aice estivessem no jardim do Éden e a maconha funcionasse como o fruto proibido.
Na cama, tragando a fumaça da maconha junto com Bill, Alice questiona se Bill a havia traído na festa com as mulheres que estava conversando, ao passo que revela ao marido que o homem com quem dançou havia proposto sexo com ela. Alice indagava, de forma indireta, sobre o desejo de Bill, como se dissesse: você ainda me deseja? Se me deseja, porque me deseja? Deseja outras mulheres? Que lugar eu ocupo no teu desejo? O marido, no entanto, apenas responde que entende o desejo do sedutor e que não sente ciúmes da mulher. A esposa continua: quando você, no seu consultório, examina uma mulher, o que você acha que ela sente ao ser tocada? Ele novamente responde com uma ingenuidade quase infantil, dizendo que as mulheres só desejam ser amadas e protegidas. Alice se senta no chão e revela sua fantasia.
O Que Deseja Uma Mulher?
Alice fala a Bill que certa vez, a simples visão de um oficial da marinha havia movimentado desejos desconhecidos, e após uma breve troca de olhares, sentiu-se tão atraída pelo desconhecido que pensou em deixar sua vida, marido e filha, se ele a desejasse. Ela conta que transou com o marido naquela tarde, mas que a imagem do oficial não lhe saía da imaginação, e por outro lado, nunca o marido lhe pareceu tão precioso e seu amor por ele, terno e triste.
Afinal, o que deseja uma mulher? Indagou Freud. No filme de Kubrick, Alice transforma em discurso uma experiência de gozo e espera ouvir uma palavra que se alinhe com seu desejo, tocar o Real pelo caminho do Simbólico. Ela quer alguém que a conduza na sua experiência de gozo, um herói que a permita transitar entre lugares e possibilidades do feminino, que sustente seu desejo sem entrar em pânico. Por isso olha para além do espelho. Mas Bill silencia e depois foge da cena, indo atender ao chamado de outra mulher, a filha de um paciente que havia acabado de morrer.
Alice ocupava um lugar de perfeição e adoração no imaginário de Bill. No início do filme, ela sentada na privada pergunta ao marido se está bonita e ele responde, sem olhar para ela: perfeita! Mas ao revelar sua fantasia, a perfeição imaginária se esvazia e o objeto de amor se converte em objeto de temor. Bill não consegue sustentar a fantasia da esposa e sai noite adentro pelas ruas, em busca da sua própria fantasia.
Sexo e Fantasia
A sexualidade no homem tende a ser mais genital, geralmente está associada à força, ao poder e a afirmação da própria virilidade. Bill, que é um médico bem sucedido, usa sua credencial médica como um passaporte para conseguir favores de pessoas ou entrar em lugares. Dando “carteiradas” ele produz seu gozo, mas no universo feminino, as fantasias são muito mais elaboradas, precisam contornar muitas proibições, encontrar em cenas e imagens elementos que funcionem como solução para conflitos que podem aflorar quando emerge a sexualidade plena, em todo seu potencial. O sentimento pode desencadear o desejo, e a fantasia feminina pode estar ligada a cenas românticas, envolvendo lugares e situações com seus parceiros.
Mas não só de fantasias românticas o desejo feminino é alimentado. A estrutura social patriarcal implica que muitas mulheres, desde pequenas, recebam mensagens contraditórias sobre sua sexualidade. São ensinadas a dizer não ao prazer, a assumirem uma postura passiva e a recalcarem seus desejos, numa tentativa de confinar a mulher em uma “natureza feminina” dessexualizada. Ser dominada por um homem forte e sedutor, ou a fantasia de ser forçada (que não se trata de uma situação real do sexo sem consentimento), amarrada e dominada, por exemplo, oferece uma solução para esse conflito, já que nessa situação existe a possibilidade de não se responsabilizar pelo seu desejo. Aliviando a culpa, o desejo reina mais livre.
O Feminino: A Esposa e a Prostituta
Bill segue noite adentro e encontra um velho amigo pianista, que revela que mais tarde tocará em um lugar em que acontecerá um ritual sexual, só permitido para iniciados. O amigo fornece uma senha de entrada para Bill, mas adverte o médico que ele também precisará de uma fantasia. O jovem médico se dirige então a uma loja chamada Rainbow, usando mais uma vez sua credencial de médico para conseguir ser atendido de madrugada. Essa sequencia nos convida a uma metáfora. Diz um ditado que aquele que chegar no outro lado do arco íris, muda de sexo. De certa forma, Bill busca por isso, pois a busca pela sua fantasia começa com a fantasia revelada da esposa. Bill fantasia a fantasia da esposa, o desejo dela passa a ser o seu desejo.
Cenas breves de Alice transando com o oficial lhe tomam momentaneamente. Ele busca decifrar o enigma do desejo feminino. Bill se mostra extremamente ingênuo em todo o filme, e a ingenuidade escapa num sorriso incessante e bobo. Ela se mostra em cenas em que o médico demonstra não saber ao certo o que quer, como quando mais cedo é encontrado na rua por uma prostituta. Ela o leva para sua casa, e quando pergunta ao jovem médico o que quer que ela faça, ele não sabe o que responder. Devolve para ela: o que você sugere? Bill busca saber algo do desejo feminino, o esvaziamento da imagem idealizada de sua esposa, ou seja, um feminino santificado, o leva ao encontro de um feminino que ocupa o lugar avesso: a prostituta.
Para Além do Espelho
O filme é carregado de simbolismos e pode ser explorado em muitos outros aspectos, esses são apenas os principais para falarmos de sexualidade e fantasia no momento. O que podemos considerar é que a fantasia, embora tenda a desembocar num lugar mais estreito, que é o ato sexual em si, é muito mais abrangente que o próprio coito. É por isso que o sexo é muito mais do que química, do que um encontro de corpos. Na cena final, Alice propõe há uma urgência: que transem! É preciso que cada parceiro consiga exercer o papel de depositário das fantasias do outro, que as sustente, possibilitando que a cena não se limite ao que está dado na realidade. É preciso fazer a travessia até o outro lado do arco íris, decifrar suas próprias fantasias e a fantasia do outro, para além do espelho.