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“Como criar um quarto do sexo” – dica da Devora

Por Natália Campanholo

A dica erótica de hoje da Devora Sex Shop é a série “How to Build a Sex Room”, em português, Como criar um quarto do sexo”, disponível na Netflix. Com muito humor, talento e tratando o sexo com a naturalidade que ele merece, a designer Melanie Rose projeta ambientes picantes e totalmente diferentes para que pessoas possam se reconectar e apimentar as relações.

Os quartos sempre tem temas exclusivos como Moulin Rouge, spa luxuoso, porão rock n’ roll, fetichista do campo, entre outros, e variam de acordo com a personalidade dos participantes. Durante o processo, para testar seus limites e conhecer o que eles gostam ou não, ela apresenta brinquedos eróticos e práticas sexuais como roleplaying, shibari e BDSM, são verdadeiras aulas!  

Reprodução: Netflix

Casais heterossexuais em crise, casais LGBTQIA+, família poliamor, uma recém-divorciada, amores que caíram na rotina com o nascimento dos filhos, todos querem a oportunidade de viver novos momentos. Melanie não cria apenas um novo ambiente (o que já seria fantástico porque ela equipa com TUDO novo mesmo, do azulejo ao sex toy – tudo lindo e aparentemente caaaaaro) mas faz muito mais, é divertida e natural ao falar sobre sexo e questionar a vida sexual dos casais, rompendo com bloqueios e tabus. Ela escuta as necessidades emocionais e as fantasias de todos, os ajuda a se reaproximarem através dos novos quartos do sexo construídos em suas próprias casas, mostrando o quanto explorar outros sentidos é importante para soltar a criatividade de pessoas que sentem amor e desejo mas estão desconectadas por diversos motivos.

Além de mudar as estruturas das casas, a reforma muda principalmente as relações que ganham novos estímulos sensoriais, texturas e ambientes com instrumentos que potencializam as curiosidades, mostrando como o sexo é parte fundamental para a saúde das nossas vidas. Achei muito incrível como ela ensina as pessoas a reaprenderem a fazer sexo, a terem um novo olhar sobre ele, a ampliarem a conexão através do autoconhecimento e de brinquedos eróticos, criando novos momentos solo, a dois…ou a sete!

Vale muito a pena assistir tanto pra quem deseja esquentar a relação quanto pra quem realmente pensa em criar um novo ambiente voltado exclusivamente para o prazer em casa, ela dá ideias ótimas. Aliás, qual é o seu fetiche? Como seria o seu quarto do sexo? Me conta se assistir? Tô doida pra saber o que você vai achar…

Instinto Selvagem – Sexo e Poder

Reflexões sobre o filme Instinto Selvagem de Paul Verhoeven

Por Leandro Azeredo de Brito*

Em 1992 foi lançado o Filme Instinto Selvagem, que marcou época e apesar de quase 30 anos passados, até hoje provoca o espectador com sua trama que não oferece resolução, mas se estrutura numa estética onde várias possibilidades se oferecem.

Na produção, dirigida por Paul Verhoeven, o detetive Nick (Michel
Douglas) investiga a escritora Catherine Tramell (Sharon Stone), acusada do assassinato de seu namorado Johnny Boz. Nick, no entanto, vai ficando cada vez mais envolvido pela investigada, e o enredo fica ainda mais intrigante quando a ex-namorada de Nick, uma psiquiatra forense, percebe que o assassinato de Jonhny Boz tem o formato idêntico a uma cena de um livro da própria escritora suspeita.

Do que se trata Instinto Selvagem? Há muito tempo o corpo feminino
é tabu, e talvez por extensão, o lugar do feminino como um todo seja também alvo de receio. O fato é que estamos tomando consciência disso agora, mas em nossa cultura, construímos um sintoma enorme que hoje pode ser chamado misoginia. Colocamos no lugar de um objeto que seria fonte de disruptura, de erro e de pecado, a mulher e não o homem, fazendo uma divisão sexual do valor, que resultou tanto em narrativas como Adão e Eva quanto em caçadas às bruxas. Mas por que fizemos isso?

Pela ótica da psicanálise, isso tem origem numa lógica fálica, que
ordena as nossas relações a partir de uma mínima diferença entre corpos masculinos e femininos, uma lógica que diz: eu tenho, você não tem, logo eu tenho poder, você não, escondendo que por trás de uma aparente diferença, somos igualmente seres sexuados.

A questão é que o órgão sexual feminino está oculto, sua
sensoriedade é muito mais misteriosa e temos medo daquilo que é enigmático. Já o masculino está explícito. Um pênis ereto é visível. O orgasmo masculino é evidente. Como a materialidade do corpo masculino é explícita, no inconsciente e através do discurso que atravessa o tempo, ele é sentido como aquilo que afirma, como verdade que se mostra e que se revela. Já o feminino, enigmático, é atravessado historicamente por um medo arraigado em nossos inconscientes, um pavor de que a mulher teria algo de perigoso, de traidor, de ardiloso e teatral, já que não temos acesso total a ela. Os olhos de Capitu seriam então, os olhos de todas as mulheres, olhos de ressaca, olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

Apesar dos ideais de igualdade da Revolução Francesa, a mulher tem
seus direitos revogados, sendo confinada em uma natureza feminina, uma
imagem como naturalmente sensual e desmedida, ao mesmo tempo sensível e amorosa, destinada ao casamento e a maternidade, funções que só aceitará exercer se for domesticada.

E a sexualidade da mulher? Como funciona? Ela goza? Gozou ou
fingiu que gozou? E a gravidez? Será que o filho é meu? O fato da parte genital da mulher ser intrincada, de não ser visível como o órgão masculino, vai ser gatilho para nossos fantasmas. Não é visível, não é controlável, isso é gerador de angústia. Como é possível dominar?

O curioso é que esse fato, na verdade, torna o feminino realmente
muito mais indomável e extremamente poderoso. O que temos feito então? Usamos a força para aplacar a angústia. Isso fica claro na mais famosa cena do filme, onde Catherine será interrogada por cinco homens, mas dispensa um advogado. “Não tenho nada a esconder”, diz a escritora. Será? Ela acende um cigarro, símbolo fálico, e é advertida de que não poderia fumar ali, mas desobedece e devolve, confiante e forte: “O que vai fazer? Vai me acusar de fumar?”.

Catherine ocupa todos os lugares de poder, o masculino, explícito e
representado na imagem do cigarro, e o feminino: “eu gostava de transar com ele (ex-namorado), porque ele não tinha medo de experimentar”.

Catherine não é pega no detector de mentira, o que alimenta a angústia masculina frente ao poder feminino, angústia que se manifesta de várias formas na cena: “Você o amarrava?” – pergunta o policial sobre o ex-namorado assassinado.

Conforme o interrogatório segue, Catherine mexe no cabelo, tira o
casaco e começa ela a fazer perguntas, invertendo o jogo.

“Já transou com alguém depois de casado, Nick?” “Como sabia que ele era casado?” Pergunta o policial. “Talvez eu esteja supondo”, e deixa os homens da sala totalmente presos em um labirinto emocional quando, na famosa cena da cruzada de pernas, deixa por um segundo apenas, transparecer que está sem calcinha.

O feminino é enigmático, seu corpo e seu lugar. Deixa-se penetrar
sem medo, mas justamente por isso provoca ansiedade e pavor no homem. Então demonizamos e depreciamos o lugar da mulher na tentativa de controlar a própria angústia, porque no fundo, sabemos que o privilégio e o poder do homem, vindo do falo, não se sustenta sem esforço e sem violência, já que a mulher, por ser mistério, consegue ocupar todos os lugares de poder, o lugar fálico e o lugar de enigma, daquilo que está oculto.


Será Catherine a culpada?

*

Sobre o autor do artigo:

Leandro Azeredo de Brito é psicólogo e pós-graduado em psicanálise pelo Núcleo de Pesquisas Psicanalíticas (NPP). Natural de Mirassol, se interessa por filosofia, música, literatura e ciências em geral. Atende profissionalmente em clínica localizada em São José do Rio Preto. Contato (17) 98801-1905.

De Olhos bem fechados: Sexo, Sexualidade e Fantasia

Reflexões a Partir de Fragmentos do filme De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick

Por Leandro Azeredo de Brito

    A serpente então alegou à mulher: “Com toda a certeza não morrereis!  Ora, Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e vós, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal!” Quando a mulher observou que a árvore realmente parecia agradável ao paladar, muito atraente aos olhos e, além de tudo, desejável para dela se obter sagacidade, tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que estava em sua companhia, e ele igualmente comeu.…” Gênesis 3:4-6

Reprodução do filme "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick
Reprodução do filme “De Olhos Bem Fechados”, de Stanley Kubrick

Há quem prefira transar de luzes apagadas. Se perguntados sobre o motivo, geralmente vão falar de vergonha, de timidez ou de insegurança com o próprio corpo. Mas se há uma verdade nisso, há também o outro lado da questão, um território mais desconhecido e misterioso. No escuro, de olhos bem fechados, o pensamento pode correr mais livre, ao sabor da imaginação e guiado pelas fantasias sexuais.

Quando se pensa em sexualidade, é inevitável pensar em corpos, em química e em forças biológicas. Sexualidade tem mesmo tudo a ver com o corpo, isso é mais que evidente. No sexo o corpo está em jogo, mas não somente ele. Isso porque o corpo humano, diferente dos outros corpos animais, é atravessado não só pela força química, biológica e corporal, mas também (e principalmente) pela palavra, pela cultura, pelo pensamento e pela imagem, num universo carregado de representação. Podemos pensar então que sexualidade tem tudo a ver com fantasia.

Desejo em Cena: o Espelho e o Curativo

No filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, a questão do desejo é colocada em cena. O casal Bill e Alice, vão a uma festa na qual ela dança com um homem desconhecido, enquanto Bill, no mesmo ambiente, flerta com duas modelos. Na volta para o apartamento uma cena carregada de simbolismo vai introduzir um diálogo também emblemático, que é um dos pontos principais do filme. Alice se olha diante do espelho do armário do banheiro. Abrindo-o, escolhe entre os diversos frascos lá guardados, uma lata de band-aid, mas no lugar dos curativos, curiosamente havia na pequena lata um pouco de maconha. Toda narrativa até então nos leva a uma ideia de perfeição, um casal vivendo uma vida perfeita, mas atrás do espelho, a maconha no lugar do curativo indica uma ferida. É como se Bill e Aice estivessem no jardim do Éden e a maconha funcionasse como o fruto proibido.

Na cama, tragando a fumaça da maconha junto com Bill, Alice questiona se Bill a havia traído na festa com as mulheres que estava conversando, ao passo que revela ao marido que o homem com quem dançou havia proposto sexo com ela. Alice indagava, de forma indireta, sobre o desejo de Bill, como se dissesse: você ainda me deseja? Se me deseja, porque me deseja? Deseja outras mulheres? Que lugar eu ocupo no teu desejo? O marido, no entanto, apenas responde que entende o desejo do sedutor e que não sente ciúmes da mulher. A esposa continua: quando você, no seu consultório, examina uma mulher, o que você acha que ela sente ao ser tocada? Ele novamente responde com uma ingenuidade quase infantil, dizendo que as mulheres só desejam ser amadas e protegidas. Alice se senta no chão e revela sua fantasia.

O Que Deseja Uma Mulher?

Alice fala a Bill que certa vez, a simples visão de um oficial da marinha havia movimentado desejos desconhecidos, e após uma breve troca de olhares, sentiu-se tão atraída pelo desconhecido que pensou em deixar sua vida, marido e filha, se ele a desejasse. Ela conta que transou com o marido naquela tarde, mas que a imagem do oficial não lhe saía da imaginação, e por outro lado, nunca o marido lhe pareceu tão precioso e seu amor por ele, terno e triste.

Afinal, o que deseja uma mulher? Indagou Freud. No filme de Kubrick, Alice transforma em discurso uma experiência de gozo e espera ouvir uma palavra que se alinhe com seu desejo, tocar o Real pelo caminho do Simbólico. Ela quer alguém que a conduza na sua experiência de gozo, um herói que a permita transitar entre lugares e possibilidades do feminino, que sustente seu desejo sem entrar em pânico. Por isso olha para além do espelho. Mas Bill silencia e depois foge da cena, indo atender ao chamado de outra mulher, a filha de um paciente que havia acabado de morrer.

Alice ocupava um lugar de perfeição e adoração no imaginário de Bill. No início do filme, ela sentada na privada pergunta ao marido se está bonita e ele responde, sem olhar para ela: perfeita! Mas ao revelar sua fantasia, a perfeição imaginária se esvazia e o objeto de amor se converte em objeto de temor. Bill não consegue sustentar a fantasia da esposa e sai noite adentro pelas ruas, em busca da sua própria fantasia.

Sexo e Fantasia

A sexualidade no homem tende a ser mais genital, geralmente está associada à força, ao poder e a afirmação da própria virilidade. Bill, que é um médico bem sucedido, usa sua credencial médica como um passaporte para conseguir favores de pessoas ou entrar em lugares. Dando “carteiradas” ele produz seu gozo, mas no universo feminino, as fantasias são muito mais elaboradas, precisam contornar muitas proibições, encontrar em cenas e imagens elementos que funcionem como solução para conflitos que podem aflorar quando emerge a sexualidade plena, em todo seu potencial. O sentimento pode desencadear o desejo, e a fantasia feminina pode estar ligada a cenas românticas, envolvendo lugares e situações com seus parceiros.

Mas não só de fantasias românticas o desejo feminino é alimentado. A estrutura social patriarcal implica que muitas mulheres, desde pequenas, recebam mensagens contraditórias sobre sua sexualidade. São ensinadas a dizer não ao prazer, a assumirem uma postura passiva e a recalcarem seus desejos, numa tentativa de confinar a mulher em uma “natureza feminina” dessexualizada. Ser dominada por um homem forte e sedutor, ou a fantasia de ser forçada (que não se trata de uma situação real do sexo sem consentimento), amarrada e dominada, por exemplo, oferece uma solução para esse conflito, já que nessa situação existe a possibilidade de não se responsabilizar pelo seu desejo. Aliviando a culpa, o desejo reina mais livre.

O Feminino: A Esposa e a Prostituta

Bill segue noite adentro e encontra um velho amigo pianista, que revela que mais tarde tocará em um lugar em que acontecerá um ritual sexual, só permitido para iniciados. O amigo fornece uma senha de entrada para Bill, mas adverte o médico que ele também precisará de uma fantasia. O jovem médico se dirige então a uma loja chamada Rainbow, usando mais uma vez sua credencial de médico para conseguir ser atendido de madrugada. Essa sequencia nos convida a uma metáfora. Diz um ditado que aquele que chegar no outro lado do arco íris, muda de sexo. De certa forma, Bill busca por isso, pois a busca pela sua fantasia começa com a fantasia revelada da esposa. Bill fantasia a fantasia da esposa, o desejo dela passa a ser o seu desejo.

Cenas breves de Alice transando com o oficial lhe tomam momentaneamente. Ele busca decifrar o enigma do desejo feminino. Bill se mostra extremamente ingênuo em todo o filme, e a ingenuidade escapa num sorriso incessante e bobo. Ela se mostra em cenas em que o médico demonstra não saber ao certo o que quer, como quando mais cedo é encontrado na rua por uma prostituta. Ela o leva para sua casa, e quando pergunta ao jovem médico o que quer que ela faça, ele não sabe o que responder. Devolve para ela: o que você sugere? Bill busca saber algo do desejo feminino, o esvaziamento da imagem idealizada de sua esposa, ou seja, um feminino santificado, o leva ao encontro de um feminino que ocupa o lugar avesso: a prostituta.

Para Além do Espelho

O filme é carregado de simbolismos e pode ser explorado em muitos outros aspectos, esses são apenas os principais para falarmos de sexualidade e fantasia no momento. O que podemos considerar é que a fantasia, embora tenda a desembocar num lugar mais estreito, que é o ato sexual em si, é muito mais abrangente que o próprio coito. É por isso que o sexo é muito mais do que química, do que um encontro de corpos. Na cena final, Alice propõe há uma urgência: que transem!  É preciso que cada parceiro consiga exercer o papel de depositário das fantasias do outro, que as sustente, possibilitando que a cena não se limite ao que está dado na realidade. É preciso fazer a travessia até o outro lado do arco íris, decifrar suas próprias fantasias e a fantasia do outro, para além do espelho.

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